UX Case: Como conectar jovens de periferia ao primeiro emprego?
Em 2021, fui selecionado para participar do curso de UX design da TERA, através do programa de bolsas do Santander. Esse case representa o trabalho final do curso, junto com outros quatro designers: Amanda Carvalho, Marina Sales, Beatriz Gonsalves e Adriano Medeiros.
O desafio
O desafio foi propor uma solução que ajudasse a conectar jovens da periferia ao primeiro emprego.
O cenário atual
Com uma taxa de desemprego de 22,8% entre os jovens de 18 a 24 anos no Brasil, (maior que o dobro da média geral do país de 11,1%) (PODER 360), o desafio proposto pode ser classificado como um wicked problem, ou problema capcioso, pois há muitos fatores e stakeholders envolvidos, e não é possível encontrar uma única solução que resolva tudo (ALINE MELO).
Também é preciso levar em consideração que, quando falamos de primeiro emprego e jovens de periferia, há muitas questões e preconceitos que tornam esse processo ainda mais difícil. Algumas dores desses jovens que identificamos com pesquisas primárias e secundárias foram:
● Falta de experiência
● Falta de qualificação
● Falta de indicações
● Dificuldade de acesso a equipamentos e computadores
● Preconceito em relação a cor, sexualidade e lugar onde moram (distância do trabalho)
Diante desse cenário complexo e do tempo limitado para execução do projeto, foi necessário focalizar as pesquisas em um objetivo e público específico. Detalhes sobre os critérios utilizados para essa priorização serão abordados a seguir.
Usuários
Consideramos os próprios jovens de periferia que procuram um primeiro emprego como nosso ator principal. Nesse estágio inicial, nossa maior preocupação era garantir que a solução tivesse o potencial de ajudar esses jovens a cumprir seus objetivos.
Por isso, focamos em buscar entender exatamente que objetivos são esses, e em que contexto eles estão inseridos.
Conhecendo o usuário
Nosso primeiro passo de pesquisa sobre a proposta do tema, foi realizar uma desk research sobre algumas das principais dores que os jovens de periferia podem experienciar para encontrar um primeiro emprego. Sobre isso, encontramos diversos artigos falando sobre questões de preconceitos estruturais (PT); baixos índices de escolaridade (NA PRÁTICA) e dificuldade de acessar internet em casa (PORTAL APRENDIZ).
No entanto, ainda tínhamos muitas dúvidas, principalmente sobre como essas questões se manifestam no dia a dia do nosso público, e por isso decidimos contactar diretamente potenciais usuários através de técnicas de pesquisa primária.
Pesquisa Quantitativa
Para recrutar pessoas para a nossa pesquisa e responder as dúvidas da matriz CSD, compartilhamos um questionário pelas redes sociais (whatsapp, páginas do facebook e instagram). Ele estava dividido em sessões, com perguntas objetivas e discursivas, e ao final também pedíamos para a pessoa deixar o número do celular caso ela se dispusesse a responder mais perguntas futuramente.
Na primeira seção do formulário, fizemos algumas perguntas para filtrar as pessoas que faziam parte do público-alvo que estávamos procurando:
Qual a sua idade? — Queremos pessoas jovens. Também é útil para determinar qual a faixa etária que vamos considerar como “jovem”.
Você mora em periferia? — Queremos pessoas que moram na periferia
Qual a sua situação profissional? — Queremos pessoas que estão buscando um primeiro emprego. Mesmo assim, não descartamos as respostas de quem já conseguiu um primeiro emprego. Nesse caso, direcionamos essas pessoas para uma nova seção em que perguntamos sobre quais foram as principais dificuldades que elas enfrentaram nessa experiência prévia, e o que as ajudou a ter sucesso.
Ainda na primeira seção, pedimos algumas informações sobre raça, gênero, escolaridade e acesso a internet. Nosso objetivo era confirmar se existia uma relação entre esses dados e a dificuldade de encontrar um emprego, como apontado pela nossa pesquisa anterior, e identificar esses possíveis usuários para futuro contato.
Algumas das perguntas feitas para quem já teve um primeiro emprego:
O que você acredita que te ajudou a ingressar na vaga de emprego? — Insights para futuras soluções e identificar aliviadores de dores
Quanto tempo você demorou para encontrar o primeiro emprego? — Uma métrica para medir a dificuldade de conseguir o primeiro emprego e relacionar com as outras informações
Algumas das perguntas feitas para quem ainda está buscando um primeiro emprego:
O que você acha que está te dificultando a ingressar no mercado de trabalho? — Identificar pontos de dores dos usuários
Geralmente, por onde você busca ou fica sabendo de oportunidades de emprego? — Identificar canais aos quais os usuários têm acesso
Obtivemos 23 respostas no total e 6 respostas que passaram pelos 3 filtros. Não foi a quantidade que gostaríamos, mas dentre os dados que conseguimos coletar, alguns dos que mais chamaram a atenção foram:
O gráfico 1 mostra que uma solução online pode ainda ser viável, apesar das nossas preocupações, principalmente se pensarmos nela para o formato mobile, vinculada a redes sociais (gráfico 4).
Além disso, no gráfico 2, identificamos que os jovens acreditam que indicação e qualificação são os principais fatores que os ajudaram a ingressar numa vaga de emprego. Apesar de todas as pessoas que ainda não encontraram um emprego terem a tendência a culpar fatores externos a elas, como falta de oportunidades e poucas vagas (gráfico 3).
O restante das dúvidas foi sanado por meio de entrevistas individuais. Nesse sentido, o formulário foi muito útil como fonte de informações para nos ajudar a elaborar perguntas para entrevistas e recrutar pessoas para uma pesquisa qualitativa.
Pesquisa Qualitativa
Após fechar o formulário da pesquisa quantitativa, separamos 6 contatos de jovens de periferia que estão buscando um primeiro emprego, e conseguimos marcar entrevistas individuais com 3 deles.
As entrevistas foram realizadas de forma virtual com um roteiro semi-aberto, que dividimos em 5 sessões:
- Introdução: Perguntas iniciais para quebrar o gelo: onde a pessoa mora, se ela está estudando, etc.
- Motivação: Entender as dores que o jovem pretende sanar com um emprego, seus objetivos a longo e curto prazo e que tipo de emprego ele está buscando.
- Tarefas: Entender como é a jornada do usuário e o papel de soluções digitais, para verificarmos se o digital realmente seria o melhor caminho.
- Dores: Identificar a percepção do usuário sobre o que ele acha que está prejudicando a sua busca por um emprego e que soluções ele já tentou buscar.
- Qualificação: Esse tema foi apontado como um possível aliviador de dores na pesquisa quantitativa, por isso decidimos explorar mais essa questão perguntando sobre os requisitos que são pedidos nas vagas de emprego às quais a pessoa entrevistada já se candidatou, e o que ela fez no caso de não possuir algum desses requisitos.
Pedimos consentimento para gravar todas as entrevistas, e depois dividimos e agrupamos as falas dos entrevistados em clusters por tema. Usamos essa técnica para identificar pontos em comum nas falas dos possíveis usuários e poder começar a organizar e sintetizar as informações em um quadro geral.
Os principais aprendizados dessa etapa foram:
- Os entrevistados têm tendência a procurar um primeiro emprego no final/logo após o Ensino Médio;
- Eles buscam um emprego para ajudar a família, ou para ter um dinheiro sobrando para transporte e atividades de lazer;
- Nessa época, eles não buscam um emprego com a ideia de formar uma carreira, mas para atender seus objetivos imediatos;
- Ao buscar um emprego, eles dão preferência a vagas aos quais eles tenham as qualificações necessárias (por exemplo, se a pessoa sabe inglês, provavelmente vai buscar uma vaga que exija isso, se ela não tiver, vai eliminar essas opções);
- Quando perguntados sobre as suas dores, eles culpam fatores externos a eles, e quando perguntados sobre o que eles poderiam fazer para melhorar as suas chances de conseguir um emprego, a única coisa que mencionaram foi fazer cursos, mas falaram isso de forma desanimada, pois acreditam que cursos são muito caros. Às vezes eles chegam a buscar por cursos e conteúdos gratuitos, outras vezes só assumem que isso não existe ou não será viável;
- Em geral, eles buscam por empregos nas redes sociais, foram citados grupos de facebook e páginas de emprego no twitter;
- Dificuldade de acesso a internet não é o problema, o problema é ter acesso a computadores.
Com essas informações, conseguimos traçar um perfil do nosso usuário ideal, que resumimos no mapa da persona abaixo. Nas próximas etapas, usamos o que foi aprendido na pesquisa com os usuários para justificar nossas escolhas na geração e priorização de ideias e desenvolvimento do produto.
Oportunidades e alternativas de solução
Após a pesquisa com usuários, elencamos 5 oportunidades baseados nas dores que foram identificadas:
- Como nós podemos jovens de periferia ganharem qualificação técnica para que eles cumpram os requisitos das vagas de emprego que desejam?
- Como nós podemos ajudar o acesso a computadores para que as pessoas possam se qualificar?
- Como nós podemos baratear o custo de locomoção para que os candidatos da periferia possam ser aprovados nas primeiras fases dos processo seletivos?
- Como nós podemos ajudar a pessoa a ter indicações para que consiga um primeiro emprego?
- Como nós podemos fazer a pessoa ganhar experiência para que consiga o primeiro emprego?
Depois, realizamos uma sessão de brainstorm em que cada membro do grupo contribuiu com uma ou mais sugestão de projeto para cada um desses tópicos. Nosso objetivo nessa etapa era abrir as possibilidades para várias alternativas de projeto, e estimular o envolvimento de todos os membros do grupo na construção da solução.
Para decidir qual das ideias listadas era mais apropriada para nós e para o nosso público, utilizamos uma matriz de priorização impacto x esforço (imagem abaixo). Nela, consideramos o potencial de cada solução de ajudar o usuário a conseguir um emprego (vertical) e a dificuldade de conseguirmos realizar a nossa entrega para o curso e a dificuldade do público de acessar a solução (horizontal).
A solução
Optamos por seguir pela opção que consideramos menos esforço e de maior impacto (canto superior direito no gráfico):
Uma plataforma de emprego que oferece sugestões de cursos gratuitos e específicos para vagas que os usuários mais interagem ou se candidatam na plataforma.
Fluxo do site e wireframes
Para garantir que todos os membros do grupo estavam alinhados, foram tomadas decisões do plano mais geral para o mais específico. Assim, antes de desenhar a interface, nós começamos desenvolvendo o fluxo do site no figjam, com objetivo de determinar como os usuários navegam por ele e quais telas precisávamos desenvolver.
Nesse momento, nós não precisávamos desenvolver todas as páginas, mas apenas as telas do fluxo principal, com fins de MVP.
Essas telas foram desenvolvidas primeiro no formato de wireframe, para que, em conjunto, nós tivéssemos facilidade de decidir os elementos que estariam em cada página e o espaço que cada um deles ocuparia na tela.
Tanto para o fluxo, quanto para os wireframes, nós optamos por utilizar ferramentas digitais (figma), que facilitassem a colaboração à distância e que permitissem que todos pudessem editar os documentos ao mesmo tempo.
FLUXO PRINCIPAL E TELAS A SEREM FEITAS
- O usuário encontra uma postagem em um grupo de rede social divulgando uma vaga.
- O post contém um link que o redireciona para a página com detalhes da vaga no site.
- Ao clicar em se inscrever na vaga, é requisitado um primeiro login, de acesso rápido, para adquirirmos leads.
- Depois da pessoa se inscrever na vaga, o usuário é redirecionado para uma página que chamamos de sucesso de inscrição.
- Agora, ele pode querer usar o sistema de busca por vagas. Nessa página há algumas sugestões de busca filtradas, baseadas nas informações que coletamos dos usuários.
- Ao fazer uma busca ou selecionar uma das opções de filtragem, o usuário é direcionado para a página de resultados da pesquisa, que mostra uma listagem de vagas pelas quais ele pode se interessar, e cursos gratuitos que correspondem aos requisitos pedidos pela maioria das vagas dos resultados.
- Ao selecionar uma vaga, o usuário volta para a página com detalhes da vaga selecionada, e ao selecionar um curso, ele é direcionado para a página do curso.
Como curiosidade, foi nessa etapa que vimos que seria mais interessante que o projeto se tratasse de um site mobile e não um aplicativo. Isso porque queríamos aproveitar o comportamento habitual dos usuários de buscar vagas nas redes sociais, usando postagens de grupos de facebook e páginas de twitter para direcioná-los para a nossa solução.
Ora, um aplicativo representaria uma grande interrupção no fluxo, pois, ao primeiro contato, o usuário teria de verificar se teria espaço no celular e esperar o tempo de download, o que demanda certo tempo e poderia ocasionar a perda de interesse pela vaga. Com um site mobile, no entanto, conseguimos deixar essa etapa do fluxo mais rápida.
Importante exaltar que chamamos a atenção dos jovens com vagas e não cursos, porque, como vimos na nossa pesquisa, nosso público-alvo não costuma procurar por cursos, por não acharem que eles se adequam a sua realidade. Por isso, achamos importante apresentar sobre os cursos em um contexto aliado com as vagas, para que possam parecer mais interessantes, sirvam de guia para quem está perdido tentando entrar no mercado de trabalho, e mostrar que existem cursos gratuitos sim!
Guia de estilos
Cores
Antes de partir para o desenvolvimento das telas em alta fidelidade, definimos as cores base do nosso site e do brand.
A cor azul foi escolhida por ser uma cor neutra, para comunicar com todos os gêneros, transmitindo seriedade e segurança. Já a cor accent, ou secundária, foi escolhido o laranja, sendo essa uma cor ligada à jovialidade (nosso público) e alegria. Além disso, são cores complementares no círculo cromático, o que faz ter uma boa harmonia e contraste. Ao utilizar as cores na UI, criamos variações de tons das cores escolhidas.
Para compor toda a interface, configuramos uma escala de cinza para background e outros detalhes.
Também definimos no guia de estilo as cores possíveis para os textos. Na cor Black text não utilizamos a cor 100% preto para não comprometer a harmonia da tela e a leiturabilidade.
Além disso, foram configuradas cores helpers(cores de apoio), que são utilizadas principalmente para dar feedback visual ao usuário sobre alguma informação. O vermelho passa a ideia de perigo ou erro, por isso erros mais graves são entendidos facilmente com essa cor. Verde é entendido como positivo, então utilizamos esta cor em mensagens de sucesso. Amarelo segue a linha de “atenção”.
Tipografia
A fonte Poppins foi escolhida por ser sans-serif, transmitindo modernidade, possuir muita clareza em sua forma, legibilidade e muitas variações de peso, o que ajuda na hierarquia tipográfica.
Poppins é uma fonte Google, portanto, nos navegadores mais comuns já vem pré-carregada, assim gerando um ganho de performance nos aplicativos web.
No guia de estilo, definimos os Headings de 1 a até 3, tamanho das fontes e espaçamento entre linhas para desktop e mobile separadamente.
Botões
Buscamos deixar todos os botões com bom contraste para legibilidade e espaçamento suficiente para a área de clique.
Botões foram criados no figma em um único componente com combinações de variantes. Essa prática é uma boa organização para utilizar o componente no layout. Além disso, as variantes foram criadas com autolayout e com a nova função do figma de propriedade do componente. Com isso, definimos propriedades de content, instance swap e boolean.
- Com a Propriedade content, podemos mudar a chamada do texto facilmente.
- Com Propriedade instance swap, podemos trocar o ícones do botão apenas organizando os ícones por pastas.
- E com Propriedade boolean, podemos escolher se o ícone aparece a esquerda, a direita ou em nenhum lado.
Formulários
O formulário necessário até esta etapa foi o input text. Então, criamos apenas ele, porém com variantes. Utilizamos o conceito de design atômico para o .Base input, onde se encontram os componentes separados que, ao ter suas instâncias organizadas juntas, vemos o componente input text com diversas possibilidades.
Neste componente, vemos o título, o input (com placeholder) e uma mensagem de apoio na parte inferior direita. Configurando as propriedades desse componente, é possível escolher quando aparece o ícone de visualizar senha, quando aparece a mensagem, que tipo de mensagem aparece e outras combinações. Sempre visando a escalabilidade e consistência de um futuro design system.
Design System e Escalabilidade
O guia de estilo foi pensado e configurado no figma para ser um início de um design system mais robusto com consistência no design. Pois, utilizamos conceitos de design atômico, e todos os botões, formulários, cores, tipografia, headings, figuras, ícones, cards, itens de navegação, etc, estão componentizados.
Com isso, temos uma escalabilidade muito consistente e prática, para caso seja necessário a criação de novas telas para testes e afins.
Protótipo de alta fidelidade
O protótipo em alta fidelidade foi desenvolvido com o objetivo de apresentação, e, depois, será usado para realização de testes de usabilidade com possíveis usuários.
Link para o projeto do figma: https://www.figma.com/file/iHJZ20DuPo1Ilsb0baXOmH/Projeto-Qualifica%C3%AD?node-id=3%3A127
O vídeo a seguir mostram a interação das finais:
Próximos passos
Neste case, mostramos como o trabalho de research e conhecimento dos usuários se traduziu em uma boa experiência, com uma solução e telas de interface mobile.
Para conclusão do MVP, o primeiro passo óbvio é testar o protótipo desenvolvido com representantes do público alvo escolhido, para garantir padrões básicos de usabilidade e interação. Depois disso, podemos pensar nas telas fora do fluxo principal e em novas funcionalidades, como ajudar o jovem a montar o próprio currículo, entre outros.
Além disso, futuramente o ideal seria considerar os pontos de contato de outros stakeholders sobre a plataforma, como recrutadores e instituições beneficentes. Mas se estamos falando de diferentes públicos, também é importante ressaltar que será importante fazer um acompanhamento do amadurecimento dos jovens que utilizam a nossa plataforma. Veja, hoje o objetivo deles é conseguir um primeiro emprego, o que esperamos que aconteça, principalmente com o auxílio da nossa solução. Depois disso, suas necessidades serão outras, e então nós temos a oportunidade de lhes oferecer novos produtos e serviços.
Se tiver alguma dúvida ou interesse, envie uma mensagem no linkedin ou por email:
erichbraganca@gmail.com